O LUGAR ONDE AS HISTÓRIAS NASCEM
Sabe o ponto onde nascem as
histórias? Venha, vou lhe mostrar. Suba no caixotinho, a janela é meio alta,
agora estique o pescoço. Está vendo o matinho cerrado lá longe, bem no final da
praia? Pois é. Espere um pouco, com o binóculo é mais fácil. Também, não é
coisa assim de todo-dia, não. Nem de toda-noite, melhor dizer. Porque isso todo
mundo sabe, que as histórias aparecem mais é de noite, mesmo. Que são tímidas,
virginais, às vezes se envergonham – ficam muito tempo sem aparecer. Porque,
vou lhe dizer : elas têm de sair nuas, do bosque, e começarem a correr por aí,
buscando abrigo, se entremostrando lampejando zunindo às vezes que nem abelhas,
se fazendo de doidinhas - na verdade, muito sábias.
Umas, de tão arredias e
envergonhadas, correm logo para o mar, se agasalhando de espuma e
desaparecendo. Outras, tentadas – pois a paisagem da terra é mais variada – se
espalham, exibidas, em corpos que parecem humanos, nos namorando de longe.
De perto, quando as agarramos,
o unto de suas carnes etéreas enerva nossas mãos, nos desespera quase.
Escorregadias como peixe – constatamos. Frágeis, matéria de sonhos, só. Mas se
conseguirmos, só com muita garra e violência, arrastando-as pelos cabelos,
trazê-las, mantê-las no nosso abrigo.... podem se afeiçoar logo,morar anos
conosco, impertinentes até, obsessivas,
– exigentes,espinhosas, algumas. Algumas, só. Porque é claro : se as
procuramos tanto, com tanto esforço e cuidado para trazê-las e guardá-las, é
porque valem a pena, as bichinhas, maioria delas. É só ter paciência, muitos
pires de leite à disposição, roupagem fina e bonita, isso sim, para vesti-las,
fazê-las crescer capazes de conversar conosco a noite toda sem que nos cansemos
nem um pouco. Faceiras, multifacetadas, cheias de truques nos seduzindo – até o
ato final enfim conseguido, a transposição que fazemos em laborioso parto,
delas , tênue material de sonho, para o papel ou a tela do micro, com o
conseqüente orgástico gemido prolongado em enlace perfeito.
Até , arfantes, nos darmos por
satisfeitos, colocando na linha derradeira o costumeiro “Fim”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário