sexta-feira, 17 de agosto de 2012

LA PIETÀ



                                            
 LA PIETÀ, meu conto mais famoso, figura no livro “O Caos na Sala de Jantar”( Editora Moderna-SP-1978) e também no livro “Estudos de Interiores para uma Arquitetura da Solidão” (DBA-SP-2004) e em várias antologias, no Brasil e no exterior, tendo sido traduzido para o alemão, o italiano e o espanhol. Em 1994, quando o Brasil foi país-tema da Feira Internacional de Livros de Frankfurt, esse conto foi escolhido pela comissão organizadora do evento para inaugurá-lo, com leitura em todas as rádios alemãs – foi extraído de uma antologia publicada em 1986, FRAUEN  IN  LATEINAMERIKA 2 , com organização e tradução de Kurt Meyer-Clason (o tradutor de Guimarães Rosa e de Gabriel Garcia Marques).
            La PIETÁ Tem sido considerado por muitos, tanto no Brasil como no exterior, como “um dos mais belos contos em língua portuguesa”. Em 1986 o grupo da Escola de Teatro Macunaíma, de São Paulo, adaptou-o e encenou-o, com um elenco de dez alunos, no Teatro da Universidade de São Paulo.

 


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LA  PIETÀ

 

Cidade do Vaticano (21) – La Pietà”, a primeira escultura religiosa do Renascimento italiano, famosa em todo o mundo e venerada no Vaticano por fiéis e milhões de peregrinos, foi  parcialmente destruída...

Olhou para a barriga, sorriu. De manhã tão cedo. O ônibus da Rocinha sacolejava.Tinha deixado o café pronto para quando o João acordasse, no barraco.

Contanto que nasça bem. Vai ser um menino. João, também. Ou Francisco, que nem meu pai. O ônibus sacode, dá uma dor aqui, tanta pedra, estrada ruim, não vai chegar nunca lá embaixo? Bobagem, faz mal não.A cunhada Maria sofreu até desastre da Central, de sete meses.E o menino nasceu.
      
 ....parcialmente destruída. O ato de vandalismo ocorreu às nove horas da manhã, diante da multidão que fazia fila diante da célebre obra que....

No  hospital do Instituto uma fila enorme de mulheres de barriga avançando para o mundo, as mulheres, as mulheres todas e suas barrigas, tristes barigas, as mulheres se debruçando em suas barrigas. Na seção que tinha um nome esquisito. Damiana soletrava a custo, “gi-ne-co-lo-gi-a...obs-te....”

...que é uma das mais célebres expressões da cultura humana.

     
O médico gritou:
       - Você aí, não está ouvindo? Avança logo que tenho mais o que fazer.Tira a roupa.
       Tira a roupa. Tira a calça.Anda.Deita.Levanta.Tira a calça.
        A enfermeira gorda sacudiu-a:
        - Tira tudo.
        O toque doeu. Ela deu um gemido.Bruto.Que nem o João,quando queria ela deixava mas pensava vai fazer mal prô menino...Abria a perna.Deixava. O João. O médico.Estripada, pensou. De perna aberta prô mundo, sua puta.
        - Levanta, o que tá pensando?
        - Elas pensam que a gente tem o dia todo. Não vai ser fácil não, vou dizendo logo.Se sentir dor, venha logo.De carro.Se puder.Onde mora?
        - Na Rocinha.
        - Hum! ..Mande entrar a seguinte.

 O pavoroso atentado abalou profundamente os meios artísticos, religiosos, culturais. Sua Santidade, que acabava de regressar de Castel Gandolfo....
      
 Foi atacada pelas costas. Sentiu a pancada forte, assalto, pensou,virou, viu o irmão, os olhos vermelhos, tinha bebido de novo, avançava novamente de mão aberta.
          - Tônio!
         Rolou com a bofetada.
         - Toma, sua puta, foi casar com negro, eu disse que ainda te pegava, sua puta sua vaca sua sem-vergonha, toma!
         - Tônio...o menino...
         Toma, toma e toma, soco descendo nas costas,ai, na barriga não, Tônio, tem piedade, meu Deus.
        Ele armou a mão novamente. Armou o pé. Bêbado. A gente começava a correr, dos barracos.
       - Desgraçado, batendo em mulher prenhe.
       - Segura ele.
       - Vaca, tu nunca prestou, casada com aquele negro!
       - Segura, ele mata ela.
       O João mata ele. Me mata.Se ficar sabendo.
       - Leva depressa para o Pronto Socorro, a criança pode nascer.
       Os solavancos do caminhão muito pior que o ônibus mas vai levando vou chegar logo em tudo brutalidade bruto bruto tudo, os homens, o mundo.Seu menino, seu menino alí...Ai, tá doendo, morreu, não, tá mexendo, meu Deus, ai meu Deus, o que eu mais queria, o menino...
        - Não chora não, dona. Já  estamos chegando.Aquele desgraçado devia mais era morrer.

O  autor do atentado, um húngaro chamado Lazlo Toth, era geólogo e residia na Austrália. Já tinha morado antes na Itália, tendo sido expulso pelas autoridades por.....

Seu irmão.Seu próprio irmão.Não queria que casasse com preto. Nem com ninguém. Tinha ciúme, sempre tinha, de qualquer namorado. Queria ela pra ele só, pegava ela de noite quando era menina, pegava, ela tinha medo e deixava, era puta era puta tinha dormido com o próprio irmão Deus castigava abria a perna pro João pro médico, não valia nada, mas tinha o menino, sempre tinham dito a Damiana tem um jeito com criança, seus sorrizinhos, seus narizinhos, úmidos bichinhos.
        O médico do Pronto Socorro era mocinho, não tinha cara ruim que nem o do hospital do Instituto. Mocinho assim, ia entender de barriga grande?
      -Parece... Não. Acho que não aconteceu nada.Quantos meses?
      - Sete.
      - Não.Não tem sangramento.Dores?
      - Nas costas. No braço. Tá tudo moído.
      - Isso é das pancadas que levou. Deu parte?
      - Fugiu. Não sei quem era.
      - Levou na barriga?
        Ela não sabia direito.Tinha caído. O médico olhou para a enfermeira.Depois disse:
      - Faça os curativos, dê um calmante forte. Olha, você vai para casa e fica muito quietinha, ouviu?
        Uma ruga em sua testa..
      - Procure ficar deitada. Mas não fique preocupada não, o seu bebê vai nascer direitinho. Se sentir alguma coisa...
      - O senhor faz o parto?
         O sextanista riu.
      - Não. Só dou plantão aqui.
        Pôs a mão no ombro dela.
      - Fique sossegada.Coitadinha.Fique sossegada. O bebê vai nascer bem.
        Ele não tinha aberto ela pelo meio estripada como os outros. Não tem sangramento. Ele olhou, tocou. De leve. Tinha homem que tocava de leve, com jeito, nem doía. Tinha. Mas não era para ela. Abaixou a cabeça, entrou no caminhão.
       - Tá tudo bem, podemos voltar. O senhor é muito bom.
        - Não é nada não, dona. Pobre tem de ajudar o outro.  Eu pegava aquele desgraçado que fez isso e matava.

O  desalmado concentrou a sua fúria assassina na figura da Santíssima Virgem, cujo braço esquerdo demoliu completamente.

       Uma dor bem dentro dela, parecia, bem no coração. O médico bonito tinha sorrido, era homem da praia do Leblon ou de Ipanema, decerto tinha namorada magrinha de biquini roxo. Passou a mão no rosto picado de varíola.
       O pontapé, ele tinha perguntado, o pontapé não, acho que não, senão o menino tava morto. Que sorte o pontapé não pegou. Uma vez, ela tinha onze anos. Ele pegava  ela de noite ela não tinha coragem de dizer para a mãe, ele disse que matava se ela contasse. A primeira vez tinha doído muito ela tinha sangrado. Não tem sangramento. Ela tinha sangrado – sentada na cama, o sangue correndo. Onze anos. O sangue era quente. Era a primeira vez que tinha pensado o sangue, como o sangue é quente, meu Deus. Não conta que eu te mato.Deixava.Se abrindo.Puta. Uma vez pensou que parece que gostava.Pensou isso e ficou batendo a cabeça na parede.Fez um galo. A mãe dizia:
       - Essa menina é doida.
       Só com ela acontecia, decerto. Não prestava. Uma noite ele tinha dado um pontapé nela, tava caindo de bêbado, sua puta, tinha dito. Ela tinha onze anos.
       Não se preocupe, viu, coitadinha, não vai acontecer nada, minha filha. Tinha dito assim, minha filha. Bem devagarinho. Modos de gente rica educada falar. Grudou as mãos  no assento até ficarem roxas.
       - Tá sentindo alguma dor, dona?
       - Não. Não. Tô bem.Tô só pensando.
       - Melhor não pensar.
         Melhor não pensar.Minha filha....Fique bem quietinha, ouviu? Se sentir alguma coisa... Um modo de falar. De sorrir para ela. Um modo de falar que tava doendo mais dentro dela, parecia, que os socos do irmão, os tapas na cara que levava do João, também.

 Em seguida o energúmeno atacou o rosto da Santa Virgem, quebrando o nariz e os olhos.

 Entrou no barraco devagarinho, o João estava emborcado , tinha bebido também, quem sabe? Deitou devagarinho, com medo. Uma dor funda, vontade de chorar dolorida, Deus, ah Deus meu, existia Deus? Deus castigava assim? Ela, o João, o menino...Mas o menino se mexia dentro dela...Fique quietinha, ouviu? Ficou quietinha, ouvindo, na noite. Uma asa dentro dela se mexia , seu menino – carícia vinda de dentro. Ficou olhando o teto, muito parada, olhar fixo. Esperando. Tinha medo de dormir, tinha medo que o menino...Os olhos ardiam, esperando.Esperando.

   
  (Passos, passos. Que vinham – que cresciam de todos os lados. Energúmenos de punhos erguidos. Uma enorme vaga. Fúria assassina. De todos os cantos da terra. Um martelo. Enorme martelo erguido, vinha.
       Na noite da antecâmara  pontifícia, um grito foi ouvido.
       O Primeiro Camareiro olhou para o Segundo Camareiro – Sua Santidade devia estar se debatendo com um pesadelo.) .
      

 A dor chegou de repente. Como um grito, enorme vaga erguendo-se dentro dela, no seu ventre. Quando tudo estava assim parado. A dor chegando dentro do sono de calmante. Partindo-a. Enorme machado caindo sobre ela.
      - João!... O menino....
        Iam descendo o morro. Não tinha mais ônibus, naquela hora.Barranco. Morro.Feito de tantos pequenos morros. Pedra. Tanta pedra. O morro é duro. O morro era contra ela. O mundo. Áspero.É a vida. Que nem sangue escorrendo quente na perna. Que sentia. A pedra dura o morro duro sempre descendo subindo sempre sempre, pedra doendo na sola fina do sapato, vida de pobre.
       Numa curva da estrada viram o mar de repente, lá embaixo espalhado, espelho. Quieto dormia, o mar?
       Ia clareando quando chegaram no Leblon.
      - Agora a gente pega um taxi. Dez cruzeiros deve dar.
       Fizeram sinal. O motorista ia parando. Olhou para eles e acelerou. Outro, num carro verde e grande, todo lustroso, passou de longe, virando para olhá-los, ela toda curvada, a dor tomando-a. Pobre não ajuda pobre. Ninguém tem pena. Motorista de taxi não era pobre, que nem eles.
        Um fusca azul parou.
      - É prá já, dona? Entra que a gente dá um jeito.
        Tem gente boa. Tem gente muito boa, ainda.
         O mar via-se de longe, uma pontuação alí no fim de cada quadra, azul parado calminho, assim de manhãzinha. Azul é cor de menino. Cidade tão cedo. Onde está a gente da cidade? Dormindo, acordando. Meu filho vai nascer, pobrezinho. Acho que o bruto acertou o pontapé, não sei bem, caí, não vi mais nada. Ou foi sôco, só. Mas tá vivo e se mexendo. Às vezes é alarme falso. Não quero que chegue nunca no hospital. Meu filho é só meu. Por enquanto está aqui, guardadinho. Só meu. Não deixo sair.
       Praia de Botafogo. O mar é cinza parado.
       Praia do Flamengo. Verde a palmeira, o mar lá longe no aterro parece tão verde em cada lugar o mar é difeente isto dentro de mim esta dor quando vem é uma onda é como uma onda, eu vou sentindo ela subir vai me afogar, eu o menino o João o táxi, tudo afogado. Morto. Vem vindo. O mar vermelho. O mar pode ser vermelho.Vermelho e quente como sangue.

...Finalmente um jovem bombeiro lançou-se  sobre o iconoclasta , tomando-lhe o martelo. Petrificada diante do horroroso atentado à cultura humana, e presa de repentino terror, a multidão fugiu diante do ato blasfematório. Algumas mulheres desmaiaram, outras soluçavam e gritavam.
  
   ...um túnel de dor, parecia, onde mulheres gritavam e gemiam nas enfermarias, quantas mulheres, pareciam sozinhas jogadas no mundo para dar à luz, que nem ela. As batas de um branco encardido. No branco, a dor. Num canto uma menina, quanto anos, treze? Parecia onze. Imóvel.Tinha morrido? Mas os olhos se abriam e fixavam o teto , e quando a dor vinha era como uma coisa concreta viva que a menina de olhos parados estivesse vendo, monstro que vinha se formando em si, dentro dela, enorme. Menina—onze anos? Deve ter sido estupro.
        ... seguindo no corredor, seguindo a sua própria dor, e a das outras, difícil andar, a enfermeira abriu uma sala, umas doze camas, tira a roupa, dores regulares, perguntava. Tira a roupa. Tira tudo.Veste essa camisola, espera, deita, espera, espera, espera.
         Ninguém com ela. Sózinha.
         Entrou um médico, mal-humorado.
      - Mais uma. O movimento vai ser daqueles, hoje.
         Ela não tinha culpa, queria dizer para o médico. Não tinha culpa de ter vindo naquele dia, desculpasse, não queria dar trabalho.
         Levantaram o lençol, ela abriu as pernas, dócil. Fechou os olhos.
         A porta, cada vez que abriam, trazia intervalado um grito longo e feio, pontuando o branco.A menina? – pensou. Animal. Porco sangrado.Vida. Suja.Feia.          
      - Cesariana. Quanto antes, melhor. Providencie.
          Saíram. A porta que se abria. O grito, pontuação vermelha, no branco.
         Damiana ergueu-se no cotovelo, olhou o relógio: eram sete horas e quinze minutos.Da manhã.
        
A preciosíssima  estátua foi encomendada a Michelangelo em 1498 pelo cardeal Jean Villiers de Lagrolaye, que desejava instalá-la na Igreja dos Franceses, em Roma.
         

Mar. Que vinha, enorme, se formando onda. Vagalhão agora crescendo...
          ( ...longe, na Itália, um martelo).
         ...mar vermelho, nas suas cadeiras cinta apertando, uma dor enorme, às vezes acabava brusca, ficava muito tempo sem nada, tinham esquecido dela?
          Resvalava no branco.  O tempo passava, tinham esquecido? Deviam saber mais do que ela, não tinha coragem de perguntar.Enfermeiras entravam, saíam, voltavam. A porta, o grito longe, vozes. Tinham esquecido dela sozinha, o João lá fora que estava fazendo, também não podia falar se falasse o João matava ela, culpava ela mais o irmão, puta, o sangue escorrendo quente na perna de onze anos, a menina que ia parir, fazia tanto tempo, tudo fazia tanto tempo...
       O relógio do corredor marcava: três horas. Da tarde.
       A enfermeira levantou o lençol, examinou, a outra sacudiu os ombros:
      - Não sei, disse que era cesariana e foi embora...
      Dentro da dor grande as outras menores, o corpo doído surrado, um corpo que ardia todo, parecia, um corpo que nos dezessete anos tinha vindo num sofrimento, numa dor só, parecia, barranco sujeira sangue pisado lama dezessete anos , quantos anos mais...

A  veneranda  imagem conta, pois, 474 anos. Para o trabalho da sua restauração os peritos trabalharão com as medidas exatas tiradas de uma cópia da estátua, feita há 30 anos. Ao encomendar a obra, o cardeal escolheu um tema que era praticamente desconhecido até então na arte religiosa. As únicas representações plásticas de uma mãe chorando o seu filho...

...nasceria mulato? Nasceria? Sete meses – apalpava a barriga, asa leve, ainda vivia, não precisava ser operada? .. O mundo todo era um menino chmado Cesário, ia chamar Cesário por causa da cesariana, sete meses também cria. Criado com muito mingau. E o seu leite ia ser forte...

...de uma mãe chorando o seu filho morto datavam da antigüidade clássica, como as estátuas de Vênus e de Adonis, e de Mennon.

 ... e sua mãe tinha tido leite forte para os filhos. Era o que tinha salvado eles, nem todos, alguns. Filho de pobre é assim, tem de ser de porção, senão não cria. Que nem gado. Filho de rico  nasce dois,três, cria tudo...
       (Martelo.
          - no ponto preciso em que a energia se transforma em gesto: um grito. Olhou a velha beata se ajoelhando diante da estátua, ela tinha bigode, lei é schiffosa teve vontade de gritar, viu de relance o gesto do guia estendendo disfarçado a mão para a gorjeta do americano...
         num gesto seco levantou a mão : armada)

 De repente o gritou chegou, e era mais forte do que tudo, ela fechada, no grito, na dor, na dor ineludível, ali, precisa, ela fechada em sua  própria barriga, o quarto sem janelas, só portas, quatro portas, uma confluência de todos os caminhos do mundo, ela estripada mundialmente universalmente Damiana estripada, estuprada, mar vermelho explodindo dentro dela, a dor explodida, me acudam.
          Chegaram as enfermeiras, agüenta é assim mesmo, faz caminho, alguém disse “ respira” como quem atira uma toalha, respirar como?
          ( Mar.
             Mar-te-lo
             Mar-te-lo.
             O braço. O nariz. Os olhos cegos. Agora. Es-ti-lha-ça-dos).

 A notícia correu célere pela Itália, como um rastilho de pólvora, suscitando incrível emoção. O Santo Padre correu à Basílica e dirigiu-se até o célebre grupo escultórico, diante do qual se ajoelhou, afogando lágrimas.
        
 ...estilhaçada em mil pedaços, a sua dor que era o mundo e quem era que assim gritava, ao longe, mas era ela, era ela gritando, não grita, agüenta, disseram, quem? O quê? Outra voz, “ não vive”, alguém tinha dito ‘não vive”, quem? o quê? Quando? O grito, a sala desventrada, portas abertas todas ela puta aberta o irmão pegava o soco o grito o barraco faz frio faz calor faz sangue...

...afogando lágrimas. Depois, já serenado, interessou-se pelo autor do delito: “ É  realmente louco ou simula loucura?”...

...empurravam levando para onde não sabia mais, o grito, essa pessoa que gritava o tempo todo e que devia ser ela, aquela dor era impossível, não existia, e uma voz disse “não compreendo... não fizeram...” machado, enorme, martelo, martelando assim na  barriga.....” cesariana?”
     
 Preocupou-se logo o Sumo Pontífice em saber se os danos eram irreparáveis. O especialista em restaurações do Vaticano, o eminente Professor Deoclécio Redig de Campos, que é brasileiro, disse que todos os cinqüenta fragmentos das partes danificadas serão recolhidos e catalogados e que...
      
...esquartejada, porco sangrado, animal, amarravam suas pernas, suas mãos, uma cruz, ela era uma cruz.

...a estátua será reparada: “Temos os fragmentos do braço e do nariz. Para o olho será muito mais difícil”.

...respira, respira fundo, estreito túnel onde vou, onde vou morrer? Respira que a dor passa, a pessoa tinha deixado de gritar ou gritava mais longe, um pano no nariz, respira, tudo mais longe, o teto abaixando, respira, “acho que é tarde demais”.

 “De qualquer modo o grupo perdeu sua integridade original.Como reunir de novo os fragmentos miúdos de mármore, e inclusive a sua poeira?” – perguntou o perito mundial Giulio Carlo Argan.

...respira fundo, fórceps, não sei, criança prematura, posição difícil....

“La Pietà”  foi a única obra que Michelangelo firmou, porque considerou que se aproximara da perfeição que sempre procurou, diz a lenda. A História, porém.....

... uivo rouco retomado, tudo tem que acabar, não é possível...

 ... afirma que o artista só a assinou por ter sido a estátua atribuída a outro escultor.
        
           - Agora. Faça força.
         - Vamos, um pouco mais. Só isso. Agora.
         Para fora .Cuspido. Parido – enfim. A dor parada, ela olhou. Dependurado pelos pés como um franguinho ensangüentado, um franguinho assassinado, o seu...
         
Pegou então de um cinzel e esculpiu seu nome...
          
.... o seu menino, o médico sacudia, batia com força, cinzento e inerme o menino permanecia, não bata no meu menino, tão pequenino, não bata no meu menino, no meu menininho, no meu filhinho, não bata, não bata em mim, não me machuquem, não machuquem meu filhinho....

...seu nome bem visível no peito da Virgem : MICHELANGELO BUONARROTI  FECIT.

 E então trouxeram. Eles reunidos, o médico, as enfermeiras, trouxeram: o seu menino. O seu menino morto. Um pedacinho de carne a mais, com manchas de sangue pisado no rosto. Trouxeram o menino. A enfermeira, ao colocá-lo nos seus braços, virou a cabeça para o lado.

O grupo  está  talhado num só bloco de mármore de Carrara e mede 1,74 m de altura por 1,94 m de largura.

Nos braços rígidos, sem embalo, o filho, ela, ambos, para sempre fixos, duros – pedra. Para sempre.

E o escultor Giacomo Manzu, autor da Porta dos Mortos de São Pedro, inaugurada em 1964 por Sua Santidade o Papa Paulo VI, ao saber do nefando crime, prorrompeu em soluços: “É  o atentado mais grave contra a civilização e a cultura que se cometeu até agora. O mundo exige um castigo exemplar para o culpado.”
                     

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