Não é verdade que a Comissão Nacional da Verdade “não localizou desaparecidos”, vítimas da ditadura, como há quem diga. Eu sou um desses desaparecidos e foi a Comissão que me procurou e me fez reaparecer, em fevereiro deste ano de 2014, gravando este depoimento, que agora torno público por considerar este ato como um imperativo moral, e pedindo já aos que me lêem que o divulguem ao máximo:
Para minha grande surpresa, já que vivo há vários anos em exílio nesta
cidade de Campinas uma velhice amargurada e em circunstâncias
econômicas realmente penosas, exercendo como free-lancer minha profissão de
jornalista e escritora, fui contatada em fevereiro por uma pesquisadora da
UNICAMP que trabalhava para a Comissão Nacional da Verdade, – pois a Comissão,
como me foi dito, preparava também um dossiê sobre “casos de discriminação por
gênero” ocorridos no país de 1946 até hoje
e eu fora escolhida como
“caso-emblemático”, protótipo histórico de “discriminação contra a mulher” ,
pelos fatos envolvidos, a partir do ano de 1958, no impedimento ao exercício da profissão de
Diplomata de Carreira, à qual me habilitara formando-me no Instituto Rio-Branco
(Ministério das Relações Exteriores ), na turma de 1957.
1_ Discriminação “por gênero” – Em novembro de 1958, alegando um regulamento inteiramente anticonstitucional e baseado em leis antigas e já revogadas que proibiam o acesso das mulheres à Carreira Diplomática, o Itamaraty obrigou-me à demissão do cargo que então exercia (Cônsul de Terceira ou Terceiro Secretário), por motivo do meu casamento com o colega de carreira Sergio Paulo Rouanet, hoje embaixador aposentado. Empreendi, poucos anos mais tarde, uma aguerrida luta pelo restabelecimento de meus direitos, mas nada consegui até hoje – quando ainda existe, em sua fase final no Tribunal de Justiça da 3ª Região de SP, a ação de indenização e reversão à carreira de no. 2001.61.00.016181-5 que intentei contra a União.
2- DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVOS POLÍTICOS – No decurso do tempo, minha luta assumiu outros aspectos, relacionados com a situação de DITADURA que se instalou no país a partir de 1964. Pois no ano de 1973, já separada de meu marido, requeri ao Itamaraty a volta à carreira de diplomata, por via administrativa. Esse pedido foi amparado por parecer favorável do próprio Consultor Jurídico do Itamaraty, e encaminhado ao DASP ( Departamento de Administração do Serviço Público) pelo embaixador Antonio Azeredo da Silveira – então Ministro das Relações Exteriores –-, justificando minha readmissão “no bem do serviço público”, por contar na época o Itamaraty com um quadro deficiente de diplomatas formados.
Três anos mais tarde (1977) o pedido do Ministério foi negado pelo
General Darcy de Siqueira, Diretor-Geral
do DASP (pois o órgão fora colocado, por um decreto militar, sob jurisdição direta da Presidência da
República) .Alegava-se que a figura da “readmissão no serviço público”, que antes
era preceito constitucional, fora eliminada pelo artigo 113 do Decreto-Lei 200
de 1967, expedido pelo governo militar , e que se houvesse exceção no meu caso
isso poderia servir “de precedente para que cassados políticos também fizessem
valer seus direitos”.
Dessa forma, fui impedida PELA SEGUNDA VEZ de exercer a profissão de
diplomata, para a qual me habilitara na mocidade, estudando e formando-me em
condições bastante difíceis – por ser moça pobre, órfã de pai , obrigada a
trabalhar mesmo durante o tempo em que
freqüentei o Rio-Branco ,como jornalista ( no Suplemento Literário do Jornal do
Brasil) e dando aulas particulares ,para aumentar a escassa renda que me vinha
de bolsa do MRE.
3) DISCRIMINAÇÃO ETÁRIA – Não bastasse tudo isso, ainda me envolvi no ano de 2000 com a sistemática perseguição do Itamaraty : este publicou um edital para escolha de diretor do Instituto de Estudos Brasileiros em Montevidéu. Não estabelecia limites de idade, “parecia feito para mim”, segundo me disseram pessoas que o leram, porque havia requisitos de prática inclusive de magistério, de currículo de diplomas e atividades profissionais que eu preenchia totalmente. A escolha do candidato seria feita pelo CAPES e encaminhada a nomeação para que o Itamaraty aprovasse. Fui eu a escolhida, e uma diplomata do Departamento Cultural do Itamaraty me telefonou, dizendo que A Casa ficara até contente com a minha nomeação, por eu ter pertencido à carreira, etc. Só que 24 horas mais tarde a a mesma pessoa me telefonou dizendo que era uma pena, mas como eu contava já 70 anos - a idade da aposentadoria compulsória – não poderia ser nomeada.
Esbravejei muito, amparei-me na Constituição, que diz que “ninguém
poderá ser impedido de assumir um cargo ou função por motivo de idade, sexo,
cor, credo”etc. Observei que não se
poderia falar em “compulsória” se até mesmo uma carreira normal o Itamaraty me
impedira de ter. Mais uma atitude
anticonstitucional do MRE, que insiste realmente em ignorar e contrariar a
nossa Carta Máxima. De nada adiantaram entrevistas que fizeram comigo em várias redes de rádio e de TV –inclusive
uma no Jornal Nacional, da Globo. E nem requerimentos de entidades feministas
me apoiando, inclusive de uma norte-americana.
E de nada adiantou ação de indenização que também inutilmente
promovi contra o MRE, encerrada com
sentença negativa neste ano de 2014 – isto é, 13 anos mais tarde.
Eis minha história. Parte dela, pelo menos. O resto será lido na minha
autobiografia (já tem 300 páginas), intitulada “SOU MULHER, LOGO, NÃO EXISTO” –
para a qual procuro editor adequado e corajoso.
Recorro, atualmente, à
Comissão de Anistia, e acabo também de encaminhar uma carta à Presidenta Dilma
Rousseff, pedindo que ela – que tanto sofreu e sofre com o que teve de suportar
desse período negro de nossa história, o da ditadura militar de 21 anos – possa
também sensibilizar-se e apoiar a minha causa, para que, idosa e estafada com
tanta luta inútil, esta mulher possa ter
ao menos uma velhice mais digna, nos poucos anos que me restam viver.
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